
Dia Internacional do Implante Coclear
Por José Mendes Nunes, sócio da SPLS
A 25 de fevereiro de 1957, em Paris, foi colocado o primeiro implante coclear (IC) por André Djourno e Charles Eyriès.
O IC está indicado nas pessoas com surdez neurossensorial severa que não beneficiam com as próteses auditivas vulgarmente designados de aparelhos auditivos. O IC é um dispositivo médico, exige colocação cirúrgica e permite a conversão dos sinais acústicos em sinais elétricos que vão estimular o nervo ótico gerando a sensação auditiva. O primeiro IC, colocado em 1957, tinha uma tecnologia e eficácia muito diferentes dos que hoje temos.
Houve muita hesitação na colocação de IC em idades pediátricas, pela oposição da comunidade de surdos que não consideram a surdez uma deficiência, quanto muito será uma desvantagem, mas que, mesmo assim, ela permite o acesso a uma cultura que os enriquece.
Para além disso, a taxa de sucesso era baixa o que reforçava a argumentação da sociedade dos surdos, embora a sua maior preocupação fosse o fato de a colocação de um IC na criança a afastar da aprendizagem da linguagem gestual correndo o risco de nem aprender a oral nem a gestual. Assim, após a evolução tecnológica dos IC e uma longa e dura discussão entre técnicos e a comunidade de surdos, chegou-se a alguns consensos:
- Os pais tem o direito a toda a informação que lhes permita tomar uma decisão informada;
- O principal objetivo é garantir a qualidade de vida da criança dando-lhe todas as oportunidades de aquisições linguísticas, cognitivas e sociais;
- A criança com surdez congénita deve ter a oportunidade de ser bilingue (linguagem gestual e oral) pelo que a sociedade tem o dever lhe dar todas as condições para o conseguir;
- As equipas técnicas multidisciplinares devem incluir elementos da comunidade surda com os quais os pais possam comunicar antes de tomar uma decisão;
- A colocação de IC não deve depender da medicina privada, porque sendo o lucro o seu objetivo, facilmente pode colocar em causa os interesses superiores da criança.
Se quiser conhecer mais em pormenor a história dos IC aconselho a dissertação de mestrado de Tiago Santos, disponível no repositório da Faculdade de Medicina de Lisboa.
Em Portugal, a colocação de IC começou em 1985 no Centro de Referência de Implantes Cocleares, liderado pelos irmãos Manuel Filipe Rodrigues e Fernando Rodrigues, do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC), tendo sido o terceiro país da Europa a usar estes dispositivos de modo rotineiro na clinica. Em 1992, procederam à colocação do primeiro IC em idade pediátrica: uma criança de 4 anos, com surdez profunda congénita. Atualmente, Portugal dispõe de 7 centros de referência para os implantes cocleares e, a 16 de maio de 2023, aquele Centro celebrou a colocação de 1500 implantes..
Aproveito a oportunidade para lembrar que, no campo dos aparelhos auditivos (nada de confundir com os IC), existe muita venda de “gato por lebre”. Se tem dificuldades de audição fuja de quaisquer pressões para adquirir aparelhos com carácter urgente. Mas, sobretudo, não aceite qualquer prescrição que não seja feita por otorrinolaringologistas ou técnicos audiologistas devidamente credenciados. Aliás, assuma como regra para qualquer produto de saúde: não aceite prescrições de quem vende. Quem prescreve não deve ter interesses na venda. Por isso, aos médicos é proibido terem farmácias.
A celebração do Dia Internacional do Implante Coclear tem o objetivo de aumentar a consciência das populações e das instituições para a importância destes dispositivos médicos que podem dar ou devolver o sentido da audição, faculdade sensorial tão importante para a socialização.
Nos tempos que estamos a viver, ninguém escuta ninguém, lembro que embora o ouvido seja o órgão da audição, o principal órgão da escuta é o cérebro. Por favor, procure escutar quem o rodeia e não deixe que, ao pé de si, ninguém se sinta só por não ser escutado. Para os técnicos de saúde, cito Mia Couto que na sua obra “Um Rio Chamado Tempo, Uma Casa Chamada Terra”, põe um dos personagens a agradecer ao “doutor” por ter “orelhas postas em minhas confissões”. Pois se é profissional de saúde coloque os ouvidos nas confissões dos seus doentes.