VIH em Portugal. Entrevista com a Enf. Catarina Esteves Santos
A Enf. Catarina Esteves Santos é especialista sem Saúde Mental e Psiquiatria dedicada à consulta de VIH, na consulta de Imunodeficiência do Hospital de Cascais.
Autora e coautora de diversos documentos científicos, formadora em diversos cursos e eventos na área da Enfermagem em VIH nacionais e internacionais. Elemento da direção do EHNN (European HIV Nursing Networking) desde 2007; fundadora do Grupo de Trabalho Português de Enfermeiros VIH para uniformizar e valorizar o papel da enfermagem afiliado à APECS (Associação Portuguesa para o Estudo da SIDA), do qual integrou a direção executiva de 2018 a 2022.
1. Que dados nos pode dar sobre a evolução do VIH em Portugal?
A infecção por VIH em Portugal tem evoluído ao longo dos anos, com diferentes tendências e desafios. Em Portugal tem-se uma redução no número de novas infecções, devido às campanhas de prevenção, melhor acesso a tratamentos e testes mais abrangentes.
Dos resultados apresentados no Relatório Infeção por VIH em Portugal em 2023, são de destacar os seguintes:
- Foram notificados 804 casos de infecção por VIH com diagnóstico em 2022, estimando-se que 45 352 pessoas vivam com VIH (PVVIH) em Portugal;
- Redução de 56% de novos casos de infecção por VIH e de 74% no número de novos casos de SIDA;
- 75,5% dos novos casos ocorreu no género masculino, em adultos e adolescentes com mais de 15 anos (3,1 casos por cada caso em mulheres) e a mediana de idade à data do diagnóstico foi de 37 anos;
- Em 54,5% dos novos casos a idade à data de diagnóstico estava entre 20 e 39 anos, e em 23% acima dos 50 anos;
- A transmissão heterossexual (HT) mantém-se como a mais frequente (47,7%) no global, sendo que os casos em homens que têm sexo com homens (HSH) corresponderam à maioria dos novos diagnósticos em homens (61,8%).
Relatório completo: (https://www.insa.min-saude.pt/relatorio-infecao-por-vih-em-portugal-2023/)
2. Que fatores estarão, na sua opinião na base do crescimento entre a população mais jovem?
O crescimento pode ser atribuído a uma combinação de fatores interrelacionados e multifacetados, incluindo:
Desinformação e Estigma: A falta de conhecimento adequado sobre o VIH é um problema crítico que perpetua mitos e desinformação. O estigma social em torno do VIH pode dissuadir os jovens de procurarem informação e realizarem testes, devido ao medo de serem julgados ou discriminados.
Comportamentos de Risco: O comportamento sexual de risco, como a prática de sexo sem preservativo, contribui significativamente para o aumento de casos. A falta de consciencialização sobre a importância do uso de preservativos e a percepção por vezes errónea de se estar num relacionamento seguro elevam esses riscos. Além disso, o uso de álcool e drogas pode comprometer a capacidade de julgamento, levando a decisões inseguras durante o sexo.
Acesso a Serviços de Saúde: Muitos jovens enfrentam dificuldades económicas, falta de privacidade e confidencialidade, e uma oferta limitada de serviços de saúde sexual e reprodutiva.
A educação sexual, a redução do estigma, a promoção de comportamentos seguros e a eliminação das barreiras ao acesso a serviços de saúde são medidas essenciais. Somente com uma abordagem holística e inclusiva será possível diminuir a incidência do VIH entre os jovens e promover uma geração mais informada e saudável.
3. O que podemos fazer para prevenir mais?
A implementação de forma coordenada de várias estratégias integradas entre unidades de saúde, estabelecimentos de ensino e municípios (base da iniciativa Fast-Track Cities)*, podem reduzir a incidência de VIH, promovendo uma geração mais saudável e bem informada, como:
- Educação Sexual: Com programas abrangentes nos locais de ensino (desde o 1º ciclo ao sénior) que fornecem informações sobre o VIH, métodos de prevenção e a importância do teste regular; além de abordar questões de consentimento, relacionamentos saudáveis e comunicação sexual.
- Distribuição de Preservativos: Informar sobre o acesso gratuito a preservativos (que acontece nos centros de saúde e organizações de base comunitárias) é crucial e com campanhas educativas sobre o uso correto dos preservativos.
- Teste Regular e Precoce: Promover a realização de testes de VIH é vital para o diagnóstico precoce e o início imediato do tratamento, através de campanhas de sensibilização e a oferta de testes gratuitos e confidenciais para incentivar a população a se testar regularmente e desmitificar o teste.
- Redução do Estigma: Criar campanhas de sensibilização que promovam a informação, aceitação e a compreensão, com linguagem universal e inclusiva.
- PrEP: Informar sobre a disponibilidade, eficácia e acesso à profilaxia pré-exposição (PrEP) e profilaxia pós-exposição (PPE) pode proteger indivíduos em situações de maior vulnerabilidade.
*(A iniciativa Fast-Track Cities é uma parceria global entre municípios de todo o mundo e quatro parceiros principais – a Associação Internacional de Provedores de Cuidados contra a SIDA (IAPAC), o Programa Conjunto das Nações Unidas sobre o VIH/SIDA (ONUSIDA), a Organização das Nações Unidas Programa de Assentamentos Humanos (ONU-Habitat) e a Cidade de Paris: https://fast-trackcities.org/).
4. Pode desdobrar por palavras Simples o que e indetectável e intransmissível?
Indetectável significa que uma PVVIH, ao seguir corretamente o tratamento antirretroviral (o tratamento que impede o vírus de se multiplicar no corpo), reduz a quantidade de vírus no sangue (chamada Carga viral) a níveis tão baixos que os testes não o conseguem detectar.
Intransmissível quer dizer que quando a carga viral é indetectável, a PVVIH não pode transmitir o vírus a outras pessoas através de relações sexuais.
Isso é chamado de “Indetectável é igual a Intransmissível” (I=I), mostrando que manter o vírus indetectável também impede a sua transmissão.
Em resumo: PVVIH e em tratamento não transmitem o vírus.
Pela 1ª vez na história da infecção por VIH podemos falar em erradicar a doença, segundo as metas da ONUSIDA – Acabar com o VIH até 2030. Como? Se conseguirmos atingir que 95% das PVVIH saibam o seu estado serológico, destas 95% estejam sob tratamento antirretroviral e que destas pessoas que estão em tratamento 95% tenham a carga viral suprimida.
É essencial garantir que todas as pessoas façam o teste, que as PVVIH tenham e mantenham o acesso ao tratamento antirretroviral e que sejam informadas sobre a importância de manter a carga viral indetectável.
(The Lancet HIV | VOLUME 4, ISSUE 11, E475, NOVEMBER 2017, U=U taking off in 2017, DOI:https://doi.org/10.1016/S2352-3018(17)30183-2: https://www.thelancet.com/journals/lanhiv/article/PIIS2352-3018(17)30183-2/fulltext).
5. Porque escolheu esta área do saber?
Escolher a área do VIH foi provocado por diversos fatores mas o que me motiva diariamente é o que eu posso e quanto posso promover comportamentos positivos em várias dimensões:
- Impacto Social: A possibilidade de ter intervenções eficazes para minimizar o impacto do VIH nas comunidades.
- Prevenção e Tratamento: Os avanços científicos em prevenção e tratamento permitem melhorar a qualidade de vida das PVVIH, apoiar nas escolhas de estilo de vida saudáveis e prevenir novas infeções.
- Redução do Estigma: Trabalhar nesta área permite-me ser um vector que contribui para uma sociedade mais inclusiva pela redução do estigma e discriminação.
- Educação e Consciência: ser enfermeira envolve a educação para a saúde sobre a prevenção, tratamento e viver com o VIH, permitindo o empoderamento.
- Apoio Psicológico e Emocional: Fornecer cuidados holísticos é considerar a saúde física, o bem-estar emocional, social e psicológico; ajudar a ser resiliente para melhorar os resultados de saúde e qualidade de vida.
- Saúde Pública Global: Contribuir para esta área significa participar de um esforço mundial para controlar e eventualmente erradicar a epidemia.
Esses elementos tornam a área do VIH uma escolha crucial e gratificante, oferecendo-me oportunidades para fazer uma diferença significativa na vida das pessoas.