Presidente da PintaVida participa ativamente na vida da SPLS

Data Evento

23 de Dezembro, 2023    
Todo o dia

Presidente da PINTAVIDA participa ativamente na vida da SPLS

Fui desafiada pela estimada Prof. Cristina Vaz de Almeida para escrever algo que pudesse dar destaque à PintaVida sobre o que pensava ser preciso “fazer para aumentar o apoio a pessoa com doença oncológica de outros países nas várias perspetivas biopsicossociais”?

Um homem pode conservar um vestígio da liberdade espiritual, de independência mental, até mesmo nas mais terríveis circunstâncias de tensão psíquica e física”

Viktor Frankl

Podem roubar tudo de um homem, salvo uma coisa: a última das liberdades humanas- a escolha da atitude pessoal frente a um conjunto de circunstâncias- para decidir seu próprio caminho

Viktor Frankl

A PintaVida — Associação Lusófona para a Promoção da Literacia em Saúde Oncológica foi criada com a consciência que anualmente milhões de novos casos de cancro são diagnosticados em todo o mundo, e que se estima que este panorama venha a assumir maior dimensão se nada for feito entretanto. Alguns tipos de cancro têm vindo a ser diagnosticados a pessoas com idade cada vez mais jovem, em etapa de vida produtiva, o que se reflete na produtividade mas também na experiência das dinâmicas familiares criando novos desafios e exigências, tanto às pessoas, como às organizações (entidades patronais) e mesmo aos países, que a partir desta realidade perspetivam dificuldades na gestão económico-financeira.

Esta  constatação tem vindo a preocupar os dirigentes mundiais, e no contexto europeu emergiu um plano que procura balizar os efeitos negativos desta situação através de um conjunto de ações concertadas nos diversos países. Assim, o plano preconiza uma atuação concertada ao nível da Prevenção, Deteção Precoce, Diagnóstico e Tratamento, enfatizando a importância de se garantir a Qualidade de Vida das pessoas (doentes, familiares, sobreviventes e até profissionais de saúde).

A OMS prioriza uma atenção cuidada ao nível global e destaca a importância de se contribuir para a diminuição das desigualdades entre países no que respeita à prestação de cuidados de saúde e sobrevivência ao cancro, enfatizando a importância da implementação de meios e recursos para os países denominados de “baixa renda”, nos quais se integram grande parte dos países da Lusofonia.

O confronto com estas realidades dispares fez-nos despertar para a importância que damos aos valores em relação à Vida, à Igualdade, Equidade, e sobretudo aos Direitos Humanos, tal como a Organização das Nações Unidas (ONU) reforça em 2000.

Partimos da definição de Saúde da Organização Mundial de Saúde (OMS)[1] e da noção que esta organização nos transmite sobre a necessidade de dados robustos de saúde por forma a enfrentar as desigualdades , priorizar politicas e alocar recursos para prevenir a incapacidade e salvar vidas (OMS, 2020) e procurámos traçar um plano que nos orientasse o caminho.

Assim, acordamos que o nosso posicionamento em prole da saúde, bem-estar e qualidade de vida da população, assentava em 5 grandes eixos:

  1. Sensibilizar as pessoas/ Literacia em Saúde;
  2. Intervenção com as pessoas;
  3. Desenvolvimento de Recursos e serviços;
  4. Formação;
  5. Investigação.

Acordámos ainda, que os nosso corpos sociais integrariam, sempre que possível, pessoas com história de doença oncológica. Deste modo procuramos seguir as referenciais de Rappaport (1977)quando se refere à importância do empowerment. Assim, enquanto enfatizamos a importância de todos em empreenderem movimentos internos de busca do sentido de vida (Frankl, 2012) procuramos que as pessoas se identifiquem e facilitem a outros a identificação, contribuam para a criação de contextos em que as pessoas isoladas ou silenciadas possam ser compreendidas, ter uma voz e influência sobre as decisões que lhes dizem diretamente respeito ou que, de algum modo, afetam as suas vidas. Esta posição da Pintavida é válida para o contexto português, mas naturalmente também para o dos diversos países lusófonos com os quais trabalhamos. A nossa forma de estar está comprometida com o desenvolvimento dos diversos níveis de empowerment (individual, organizacional, comunitário ) e com base nas suas diversas dimensões : Controlo; Consciência critica e participação (Zimmerman, 1995, 2000).

Ainda nesta sequência, temos vindo a procurar  estabelecer parcerias com associações e entidades ligadas à saúde, à educação, à cultura e  à investigação, em Portugal e nos diversos países lusófonos. Importa-nos unir vozes por uma causa comum: o bem-estar e a saúde da população.

Seguimos  a agenda da ONU para 2030, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável  e embora tenhamos o ODS-3 (saúde e bem-estar) e o ODS -17[2] (Parcerias e meios de implementação) como metas basilares, procuramos também ir ao encontro de outros que se revelam como importantes para o bem-estar das pessoas com quem e para quem trabalhamos [3].

Procurando responder  agora de uma forma mais clara à questão colocada pela Profª. Cristina Vaz de Almeida, cremos ser relevante subdividir a questão. Ou seja, para aumentarmos a perceção de apoio (permitam-me a distinção entre apoio e perceção de…) à pessoa com doença oncológica, é preciso trabalharmos para expandir a Literacia em Saúde Oncológica, fazê-la chegar das mais diversas formas onde as pessoas se encontram, através de múltiplos canais de comunicação, priorizando naturalmente a criação de comunidades nas quais a comunicação direta de forma verbal e não verbal, com recurso a artes, a experiências que aportem sentido e significado, que desmitifiquem medos, desconstruam mitos, e garantam escuta ativa a quem dela necessita…e são tantos… Defeito profissional, ou fruto de reflexão profunda, em relação a conceitos como apoio ou suporte social, qualidade de vida, creio que a relevância da subjetividade de cada um nos merece uma abordagem mais cuidada quando falamos na sua aplicabilidade.

Educar para saúde e promove-la ao longo da vida, parece-nos essencial . Por isso estamos a começar a investir em sessões em contexto escolar, de saúde publica, laboral (de fato o ser humano passa grande parte do seu tempo no local de trabalho , muito embora os trabalhos híbridos e online se tenham vindo a expandir nos últimos tempos). Estes canais podem ser os veículos com maior poder para cativar as pessoas e levá-las a cuidarem-se.

Logicamente que o acesso aos cuidados de saúde são essenciais, para todos…e estes podem ser diversificados, todos somos diferentes e a forma como lidamos com os serviços de saúde também pode e deve ser diferenciada… Há recursos que não se encontram devidamente explorados e que pensamos que poderiam permitir facilidade de acessos e cuidados de qualidade, nomeadamente através da telemedicina e que podem ser estendidos a outras valências psicossociais tão importantes também… Não substituem…complementam…

Quando as pessoas se encontram em situação de grande vulnerabilidade motivada pela doença, tratamentos, ou em distress,  o processo de comunicação com os profissionais (sejam eles de saúde, de segurança social, ou outros) tem de ser intuitivo e  empático.  É um desafio conseguir perceber no outro o que ele consegue compreender…e provavelmente encontrar formas de ir complementando a mensagem que necessita ser passada, repartindo-a  por mais de uma vez, utilizando linguagem mais acessível, elaborando desenho explicativo, ou complementando a explicação verbal com simples nota escrita…

Tudo isso pode ser treinado e a formação participada, com recurso a roll-play,  e neste contexto, pode ter um poder diferenciador para  qualidade de serviço prestado e  a perceção que as pessoas avaliam do mesmo.

No que concerne às equipas dos centros de oncologia que fazem o atendimento ao publico, parece-nos  imprescindível a existência de um serviço de saúde ocupacional eficiente, complementado por formação contínua e intervenção em função das necessidades avaliada. Cumprir normativos legais de avaliação de riscos psicossociais em contexto laboral, pode eventualmente ser uma mais valia para a caracterização do perfil de riscos. Mas se sobre eles não realizarmos intervenção, com pouco mais ficamos de dados que não se restrinjam à análise descritiva dos problemas. Há pois, na nossa perspetiva que melhorar as condições de saúde de quem cuida, e de acordo com os perfis de risco implementar programas que incluam equipas multidisciplinares (todos os que lidam com pacientes e famílias em contexto de doença e tratamento). Garantir condições de ajustada regulação emocional e gestão do stress, pode significar a diferença entre ter uma equipa empática, envolvida no trabalho, realizada, liderada e motivada, ou uma equipa em risco de burnout, casos de mobbing, ou bullying, que para além de problemáticos para o próprio (e para o seu núcleo familiar) podem também significar o perigo para a tomada de decisões que podem colocar em risco a vida de outros.

Evitar desordens emocionais nos profissionais de saúde de oncologia (que dentro da classe dos profissionais de saúde são talvez dos que mais se encontram expostos  a riscos psicossociais no trabalho), parece-nos prioritário.

Já relativamente às pessoas doentes que chegam evacuadas dos diversos países dos PALOP, a maioria ao abrigo de protocolos existentes e celebrados há muitos anos, pensamos ser essencial uma grande reflexão sobre os processos, envolvendo os representantes dos diversos países, as entidades que acolhem doentes para tratamento, as  que realizam as juntas médicas…As que formam pessoas, as que investigam, as que se dispõem a olhar de outras perspetivas as várias realidades e potencialidades de crescimento e desenvolvimento. Para a Pintavida é chegada a hora de rever e repensar muitos dos procedimentos, baseando mais naquilo que é a experiencia de cada um, da evidência científica e das indicações das instituições internacionais, envolvendo todos através de:

  • Brainstormings;
  • Trabalho com envolvimento e participação conjunta;
  • Melhorar procedimentos e condições incluindo a integração psicossocial das pessoas numa cultura diferente;
  • Aumentar apoio diversificado às pessoas com doença oncológica de outros países nas várias perspetivas biopsicossociais desde fase anterior ao processo de evacuação;
  • Respeitar direitos humanos e das pessoas doentes;
  • Encontrar formas de criar redes de suporte[4].

Ao nível da criação de serviços e recursos são desafios que a médio/longo prazo tentamos construir apesar de não termos ainda espaço físico. Desta forma, fazemos apoio psicossocial, online ou ao domicilio; aulas de Fisiodance num centro de Fisioterapia e que decorrem em formato online ou presencial; Ensaios do grupo de teatro e coro; workshops ou sessões de sensibilização que decorrem na Universidade Lusófona ou em locais que nos cedem espaço; Sessões de Dança em associação ou clinica; bancas de vendas de produtos em mercados para onde somos convidados.

Encontramo-nos em fase de procura ativa de parcerias e de associados. Temos ainda pequeno numero de associados, e as cotas e joia são muito baixas de modo a que todos os que queiram não seja pelo pagamento de cota que não deem o seu contributo para crescermos e fazermos mais e melhor.

Encontramo-nos a delinear 2 projetos de investigação sendo que para a realização dos mesmos tivemos recetividade do Centro de Investigação da Universidade Lusófona de Lisboa, e estamos a investir na possibilidade de alocar recursos para a recolha de dados em locais de referência ao nível da Oncologia.

Ou seja: somos uma associação pequena, com fracos recursos financeiros mas enorme potencial de criatividade e de vontade. Somos pessoas que gostam de trabalhar com pessoas.

 

Maria João Cunha

Psicóloga; PhD Psicologia e Psiquiatria Médica; Presidente da Direção da PintaVida


[1] Saúde não é apenas a ausência de enfermidades, doença; é um estado completo de bem-estar físico, mental, social (1946) e espiritual.

[2] Este ODS 17 é essencial para o desenvolvimento do nosso trabalho. Nu Sta Djuntu é o nosso Projeto Piloto em Cabo-Verde , mas é fundamente o nosso lema: Juntos somos sempre melhores, mais fortes, mais ouvidos, mais sentidos, porque a nossa inspiração vem de modelos que conjugam correntes existencialistas de busca do sentido de vida (FranKl,    ) e de abordagens comunitárias (Ornelas,   )

[3] ODS-1 (Erradicação da Pobreza), ODS 5 (Igualdade de género); ODS 10 (Redução de Desigualdades); ODS- 11 (Cidades e Comunidades Sustentáveis); ODS- !6 (Paz, Justiça. E Instituições Eficazes); (uniic.org, 2023).

[4] Temos vindo a concretizá-lo auscultando num primeiro momento quem temos à nossa frente, quais as suas reais necessidades, o que para essa pessoa constitui o sentido da vida, e procurar encontrar formas de estimular que a vontade de procura, ainda que a viver uma doença, a faça encontrar a realização. Tem sido esta a forma de trabalharmos e que nos parece estar a resultar de forma positiva. Há quem lhe faça sentido cantar, outros dançar, representar, ou fazer oficinas de artes plásticas que é geralmente onde as emoções se libertam e expressam…e daqui, a passar para a criação de grupos com os quais se procura que se criem laços sociais, redes que podem ser sentidas como de suporte, partilhas de sabores distantes, aproveitando datas significativas mas encontrando propósito para a celebração da vida, dando espaço para que se viva com a doença e não para a doença…No fundo, falamos de toda a parte que na perspetiva clássica do modelo biomédico, dificilmente encontramos espaço para existir… Falamos da Prescrição Social, que promove experiências gratificantes mesmo em etapa de vida repleta de vulnerabilidades.

 

Referências Bibliográficas:

José Ornelas (2008). Psicologia Comunitária. Fim de Século Edições. ISBN 9789727542567

Leiter, Michael & Maslach, Christina. (1999). Six areas of worklife: A model of the organizational context of burnout. Journal of health and human services administration. 21. 472-89.a

ONU (2020): https://unric.org/pt/desenvolvimento-sustentavel/

Rappaprt, J. (1977). Community Psychology: Values, Research, and Action. Ed.‎ Harcourt School; ISBN-13 : ‎ 978-0030064418

Viktor Frankl- O homem em busca de um sentido. Lua de Papel- Leya . ISBN 9789892319919 Set. 2012

WHO. The World Report 2000. Geneva