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1 de Abril, 2025    
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O preço a pagar para quem quer cuidar

Por Miguel Pereira, Presidente da FNAEE – Fed. Nacional de Associações de Estudantes de Enfermagem

 

A Enfermagem é universalmente reconhecida como sendo uma das profissões mais nobres. O ato de cuidar do outro, movido pelo respeito pela condição humana e pelo desejo genuíno de ser agente da diferença, move, indubitavelmente, qualquer um. Mas, em Portugal, qual é o verdadeiro custo de querer cuidar? Quais são as condições que regem o ensino da Enfermagem no nosso país?

A primeira Escola de Enfermagem portuguesa surgiu no ano de 1881, em Coimbra – a Escola Superior de Enfermagem Dr. Ângelo da Fonseca. Nessa época, o ensino da Enfermagem era essencialmente prático, com uma aposta insuficiente na vertente teórica, quando comparado ao panorama atual. Foi apenas após a Revolução dos Cravos que a profissão conheceu uma mudança estrutural, representando o primeiro passo para uma evolução exponencial. Esta transformação foi essencial para a consolidação de uma prática cada vez mais sustentada na evidência científica, um pilar fundamental que a Enfermagem continua a necessitar e a reforçar. Em 1988, através do Decreto-Lei n.º 480/88, o ensino da Enfermagem foi integrado no Sistema Educativo Nacional, mais especificamente, no Ensino Superior Politécnico.

Atualmente, para o exercício da profissão, um Enfermeiro de Cuidados Gerais necessita ter concluído o Curso de Licenciatura em Enfermagem (CLE), que apresenta uma duração total de quatro anos, com um equilíbrio entre as formações teórica e prática.No entanto, esta formação traz consigo um conjunto de desafios que, por mais reivindicados que sejam, pouco ouvidos são.

Durante a componente de prática clínica – de carácter obrigatório -, os estudantes são frequentemente deslocados para locais distantes da sua Instituição de Ensino Superior, por incapacidade estrutural por parte das unidades prestadoras de cuidados de saúde para o acolhimento integral dos estudantes da IES da sua região. Tal feito implica custos acrescidos com alojamento, alimentação e transportes. Para estas despesas, a maioria das IES não oferece qualquer tipo de apoio, sendo que, mesmo naquelas que detêm este auxílio monetário, este vê-se como insuficiente para suprir as necessidades apresentadas. O complemento de alojamento fora de residências dos serviços de ação social das IES não totaliza na íntegra o montante mensal que as famílias destes estudantes necessitam pagar para o quarto junto à sua IES, muito menos quando existe concomitância de valores durante o período de aprendizagem clínica. A tudo isto, somam-se, ainda, despesas com material necessário para a frequência da aprendizagem clínica, como fardas, socas, garrote, tesoura de bolso, sem mencionar a imprescindível propina anual.

São estas as exigências impostas a milhares de estudantes de Enfermagem no nosso país. Seria expectável que, após quatro anos de formação, que contemplam inúmeras dificuldades formativas e pessoais, todo este talento fosse retido dentro das nossas fronteiras. Mas a realidade é outra. Segundo a Ordem dos Enfermeiros, em 2023, 60% dos 2916 enfermeiros recém-inscritos solicitaram declaração para efeitos de emigração.

Vivemos num país que desvaloriza a Enfermagem desde a sua formação; que falha no compromisso constitucional de garantir igualdade de oportunidades no ensino; e que perpetua condições salariais e laborais precárias, como se essa fosse a fatura a ser paga pela desvalorização anterior. Este é o preço que milhares de jovens têm de suportar por escolherem dedicar a vida a cuidar dos outros?