"Nos caminhos da Literacia em Saúde". Crónica da enf. Deolinda Pinto, Provedora da Santa Casa da Misericórdia de Arronches

Data Evento

13 de Fevereiro, 2024    
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“Nos caminhos da Literacia em Saúde”. Crónica da enf. Deolinda Pinto, Provedora da Santa Casa da Misericórdia de Arronches

A saúde é um dos pilares fundamentais do bem-estar humano, e a capacidade de compreender e tomar decisões informadas sobre questões de saúde é essencial para uma vida plena e saudável. No entanto, num mundo cada vez mais complexo, onde a informação sobre saúde é abundante e muitas vezes confusa, a literacia em saúde emerge como uma habilidade crucial para navegar pelas nuances do sistema de saúde e tomar decisões conscientes sobre cuidados pessoais.

Assim, ao considerar as competências dos indivíduos para controlarem a própria saúde, a promoção da saúde, pautada na ideia de envolvimento de todas as pessoas e setores da sociedade, garante aos sujeitos um lugar de autoria (Saboga-Nunes, 2018). A motivação em assumir responsabilidades sobre a própria saúde impacta no construto de literacia em saúde que faz a ancoragem de diferentes e vários conceitos.

Literacia em Saúde define-se como o conjunto de habilidades cognitivas e sociais que determinam a motivação e a capacidade dos indivíduos para obter, compreender, avaliar e aplicar a informação de forma a fazer juízos e tomar decisões na vida quotidiana sobre cuidados de saúde, prevenção de doenças e promoção de saúde (Sørensen, 2013)

A literacia em saúde vai além da capacidade de ler e compreender informações clínicas; envolve também a habilidade de avaliar criticamente essas informações, aplicá-las às próprias circunstâncias e tomar decisões fundamentadas em relação à saúde. Infelizmente, estudos mostram que muitas pessoas enfrentam dificuldades significativas nesse aspeto, o que pode resultar em consequências adversas para sua saúde e bem-estar (Sørensen, et al., 2012).

Um dos principais desafios enfrentados na promoção da literacia em saúde é a disparidade no acesso à informação e na capacidade de compreensão. Fatores como educação, linguagem, cultura e acesso aos serviços de saúde desempenham um papel crucial nesse cenário(Hu, Zhou, Crowley-McHattan, & Liu, 2021). Portanto, é imperativo que esforços sejam direcionados para tornar a informação médica mais acessível e compreensível para todos, independentemente de sua formação ou contexto socioeconômico.

O contacto com os profissionais de saúde é um meio privilegiado para recolher informação sobre saúde, contudo, além da interação com os profissionais, torna-se necessário perceber se o paciente compreendeu todas as instruções que lhe foram fornecidas para a sua posterior reabilitação (Antunes, 2004). O mesmo é dizer que a melhoria da comunicação com os profissionais de saúde também é um meio que pode ajudar a melhorar a literacia em saúde (Nielsen-Bohlman, Panzer, & Kindig, 2004).

Os profissionais de saúde são cada vez mais os mediadores nos processos de doença/saúde entre os pacientes e unidades de saúde, exigindo um conjunto de competências pessoais (Tench & konczos, 2013) que são transversais às áreas da psicologia, sociologia, gestão, comunicação, entre outros (Vaz de Almeida., 2019). A comunicação dos profissionais de saúde tem-se revelado crucial na visão holística da pessoa, no acesso a informações que estão disponíveis digitalmente e/ou em suporte de papel. Contudo embora importante não é suficiente para que os cidadãos compreendam a informação e tomem decisões em função das mesmas. Estes pressupostos de compreender, de aceder e navegar no sistema de saúde incorporam o conceito de literacia em saúde.

A comunicação baseia-se em quatro funções essenciais, segundo Bilhim (2011) controla comportamentos; motiva as pessoas esclarecer sobre o que deve ser feito; vai de encontro às necessidades de afiliação; fornece informação necessária à tomada de decisão (Bilhim, 2011). Tendo por base estes pressupostos, comunicar a informação não implica, necessariamente, a participação ativa do cidadão na tomada de decisão. Importa trazer à coação o paradigma Lasswell “quem diz o quê; em que canal; para quem; com que finalidade”, o mesmo é dizer a chave para o sucesso está na comunicação. Em contexto de saúde o processo comunicacional implica relações entre a equipa de saúde, famílias, utilizadores dos serviços de saúde e comunidade. Este olhar entre os profissionais, pacientes e famílias carece de urgente formação em literacia em saúde por forma a capacitar os mesmos e que a sua participação seja efetiva na promoção, prevenção e reabilitação.

A capacidade de comunicar é fundamental em qualquer relação, ganhando maior destaque no que concerne à saúde. O profissional de saúde tem na comunicação o seu maior ativo na mobilização e partilha de conceitos visando o empoderamento dos utentes e famílias na tomada de decisão sobre a sua saúde.

A investigação empírica tem demonstrado consistentemente que a qualidade da comunicação entre os profissionais de saúde e o utente assume-se como uma das principais variáveis explicativas do processo de saúde-doença, da recuperação e da otimização da saúde. (Lamela & Bastos, 2012). Também Wittenberg-Lyles et al (2013) evidenciaram que uma comunicação eficaz permite a satisfação do utente e a adesão aos cuidados de saúde com resultados positivos, sempre que a mesma é adaptada às capacidades cognitivas, ao nível cultural, educacional e às crenças de saúde de cada pessoa (Wittenberg‐Lyles, Goldsmith, Richardson, Hallett, & Clark, 2013). No pressuposto que é impossível não comunicar, os intervenientes do processo devem ter presente as consequências da comunicação, ou seja, é uma ferramenta que produz efeito no comportamento dos envolvidos.

No sistema de saúde, a comunicação torna-se cada vez mais uma técnica terapêutica, uma habilidade clínica que cria relações fundamentais e que pode trazer benefícios aos envolvidos, considerações pelas quais a apropriação de altas habilidades comunicativas deve ser prioridade para os profissionais de saúde e (Chichirez & Purcărea, 2018) desta forma minimizar o risco de ter um profissional de saúde que aplica todo o seu conhecimento e competência técnica ao utente, e este não assimila o que lhe foi transmitido contribuindo para um maior risco da sua saúde e menor promoção e autocuidado (Vaz de Almeida, 2022).

Em última análise, a promoção da literacia em saúde não se trata apenas de transmitir informações aos pacientes, mas sim de capacitá-los a compreender, questionar e participar ativamente no seu próprio cuidado de saúde. Os profissionais de saúde desempenham um papel crucial nesse processo, não apenas como provedores de conhecimento, mas como facilitadores do empoderamento dos pacientes.

Ao adotar uma abordagem centrada no paciente, os profissionais de saúde reconhecem que cada indivíduo é único, com suas próprias necessidades, valores e capacidades. Essa visão incentiva uma comunicação aberta e colaborativa, na qual o paciente é visto como um parceiro igual na definição de estratégias para cuidar do seu processo de saúde/doença.

Quando os pacientes se sentem capacitados e envolvidos no seu próprio cuidado, são mais propensos a adotar comportamentos saudáveis, aderir ao tratamento e fazer escolhas informadas. Isso não só melhora os resultados clínicos, mas também fortalece a relação entre pacientes e profissionais de saúde, promovendo uma colaboração eficaz e de longo prazo.

Portanto, insto a comunidade de saúde a priorizar a promoção da literacia em saúde e a adotar práticas que reforcem a compreensão, aprendizagem e participação ativa dos pacientes. Somente através dessa abordagem holística e capacitadora podemos alcançar uma verdadeira transformação no cuidado de saúde, onde pacientes e profissionais caminham juntos em direção a uma vida mais saudável e plena.


 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Antunes, M. D. (2004). A literacia em saúde: investimento na promoção da saúde e na racionalização de custos. As Bibliotecas Da Saúde: Que Futuro? Actas Das XI Jornadas APDIS,123-133.

Bilhim, J. (2011). Questões actuais de Gestão Estratégica de Recursos Humanos. Lisboa: Lisboa: Instituo Superior de Ciências Sociais e Políticas.

Chichirez, C. M., & Purcărea, V. L. (2018). Interpersonal communication in healthcare. Journal of medicine ande life, 119.

Hu, D., Zhou, S., Crowley-McHattan, Z. J., & Liu, Z. (2021). Factors that influence participasical activity in school-aged children and adolescents: a systematic review from the social ecological model perspective. International journal of environmental research and public health, 3147.

Lamela, D., & Bastos, A. (2012). Comunicação entre os profissionais de saúde e o idoso: uma revisão da investigação. Psicologia&Sociedade, 684-690.

Nielsen-Bohlman, L., Panzer, A., & Kindig, D. (2004). Health Literacy: A prescription to end confusion. Washington, D.C.: National Academy of Sciences.

Saboga-Nunes, L. (2018). Promoção para a literacia em contextos de saúde. . I seminario de Literacia em Saúde.Esposende.

Sørensen, K., Van den Broucke, S., Fullam, J., Doyle, G., Pelikan, J., Slonska, Z., & Brand, H. (2012). Health literacy and public health; A systematic review and integration of definitions and models. BMC Public Health.

Tench, R., & konczos, M. (2013). Mapping European communication practitioners competencies. London: ECOPSI.

Vaz de Almeida., C. (2019). Modelo de comunicação em saúde ACP: As competências de comunicação no cerne de uma literacia em sáude transversal, holística e prática. Em C. (. Almeida, Literacia em saúde na prática (pp. 43-52). Lisboa: Edições ISPA.

Wittenberg‐Lyles, E., Goldsmith, Richardson, B., Hallett, J., & Clark, R. (2013). The practical nurse: a case for Confort communication training. Am J Hospital Palliat care, 162-166https://doi.org/10.1177/1049909112446848.