Dia Internacional da Tolerância Zero à Mutilação Genital Feminina
Por José Mendes Nunes, Sócio da SPLS
A Mutilação Genital Feminina (MGF) é a alteração ou lesão de órgãos genitais femininos por razões não médicas. Esta mutilação é reconhecida pela OMS como uma violação dos Direitos Humanos das raparigas e das mulheres.
A Assembleia Geral das Nações Unidas para os Direitos Humanos, em 2012, com a Resolução A/RE67/146[1] determinou o dia 6 fevereiro para luta contra a MGF por, em 2003, Stella Obasanjo, primeira-dama da Nigéria e porta-voz da Campanha contra a Mutilação Feminina, ter declarado a “Tolerância Zero à Mutilação Genital Feminina”, na Conferência do Comité Inter-Africano de Práticas Tradicionais que Afetam a Saúde das Mulheres e Crianças.
A MGF é, por vezes, designada eufemisticamente de circuncisão femininaprocurando minimizar a violência desta agressão, mas as suas consequências não se comparam com a circuncisão masculina. Com efeito, a MGF tem consequências físicas, psicológicas e sociais irreversíveis.
Dentro das consequências físicas destacam-se dores, choque, hemorragias, infeções (incluindo pelo vírus da imunodeficiência humana), dificuldade em urinar, etc. Não menos importantes são as dificuldades sexuais, pela anorgasmia, dores no ato sexual, e, por vezes dificuldade física na penetração que leva nos casos extremos a penetrações anais ou mesmos uretrais.
Nas consequências psicológicas destacam-se: stress pós-traumático, perturbações comportamentais na infância pela perda de confiança nos cuidadores e, quando adultas, ansiedade e depressão. Como as dificuldades sexuais conduzem a disfunções maritais temos implicações sociais. Por outro lado, como a MGF gera infertilidade e se verifica particularmente em sociedades onde a reprodução é fundamental para a integração na sociedade, estas mulheres são ostracizadas pela sociedade da qual são vítimas.
O sofrimento destas mulheres e crianças é por demais evidente justificando o empenho de todas as instituições no combate a este flagelo.
Embora a MGF seja mais prevalente na Africa Oriental e Ocidental[2], ela é um problema de âmbito mundial. Nos 27 estados da União Europeia a MGF é considerada crime[3] e das crianças imigrantes, dos 0 aos 18 anos, 5 a 39% estão em baixo risco enquanto 8 a 57% se encontram em elevado risco[4]. No quadro I descrevem-se alguns sinais de alerta para a MGF, adaptado de “Brighton & Hove Safeguarding Children Partnership (BHSCP)”.
Quadro I. Sinais de risco e suspeição de MGF
Sinais de risco de MGF | Sinais de suspeição de MGF |
Ter entre 5 e 8 anos (embora não se possam excluir idades mais jovens).
Ter familiares sujeitos a MGF. Não estar integrada na comunidade local e viver em situação de pobreza. Ausência inesperada ou prolongada da escola. Foge ou mostra desejo de fugir de casa. Mostra renitência em ir para casa. |
Dificuldade ou desconforto para andar, ficar em pé ou sentar.
Queixas de dor entre as pernas. Passar mais tempo que o normal no lavabo (devido a dificuldades para urinar). Parecer ausente, ansiosa ou deprimida. Falta mais ou menos prolongada à escola. Indiciar segredos. Recusa em recorrer aos serviços de saúde. Pedidos de ajuda com dificuldade em expressar o que sente. Alteração de comportamento após ausência à escola. |
Em 2016 a UNICEF estabeleceu como objetivo alcançar os novos Objetivos Globais através da eliminação da Mutilação Genital Feminina até 2030 e o lema deste dia, em 2023, foi “Parceria com Homens e Meninos para Transformar Normas Sociais e de Gênero para Acabar com a Mutilação Genital Feminina”.
[1] A Resolução A/RE67/146 “apela aos Estados, ao sistema das Nações Unidas, à sociedade civil e a todas as partes interessadas para continuarem a observar o dia 6 de Fevereiro como o Dia Internacional de Tolerância Zero para Mutilação Genital Feminina e aproveitar o dia para reforçar campanhas de sensibilização e tomar ações concretas contra as mutilações genitais femininas”
[2] Na Somália, Guiné-Conacri, Djibouti, Egito e Mali mais 90% das mulheres entre os 15 e 49 anos sofreram alguma forma de MGF.
[3] Em Portugal a MGF é considerada crime desde 2007 e em 2011 tinha 5835 mulheres em risco, sendo que 5% das crianças entre os 0 e os 18 anos estão em baixo risco e 8% em elevado risco.
[4] 1. Equality G. Data collection on female genital Administrative data on mutilation in collection the EU intimate partner femicide in the EU. 2024;(2022).