Rui Brito Fonseca

Literacia em Saúde: Um desafio e um desígnio nacional

Em Portugal, segundo dados disponibilizados pela Sociedade Portuguesa de Literacia em Saúde (SPLS), ainda existe uma relação de significativo desencontro entre os cidadãos e as questões de saúde. Chegados a 2024, ainda grassa no país um grande desconhecimento sobre a promoção da sua saúde (coletiva e individual) e o relacionamento da generalidade dos portugueses com os cuidados de saúde é ainda problemático e pouco refletido.

Naturalmente, a esta situação não é alheia a estrutura etária da população portuguesa que se caracteriza por um acelerado envelhecimento. Note-se que segundo dados do Pordata e do INE em outubro de 2023, a população portuguesa com 65 anos ou mais anos representava 24% do total da população do país, ao passo que a população portuguesa com 14 anos ou menos, representava apenas 13% desta, revelando um forte desequilíbrio entre o escalão etário dos cidadãos com 65 anos ou mais e o escalão etário dos mais jovens e porventura mais saudáveis. A este problema acresce a saída massiva – na última década – de jovens qualificados, informados e saudáveis, para outros países tornando este cenário ainda menos otimista. Deste modo, o envelhecimento acelerado da população portuguesa é um fenómeno social, económico e demográfico que coloca Portugal perante grandes desafios, mormente na área da saúde. Devemos ter presente que uma população mais envelhecida coloca maiores pressões sobre o sistema de saúde, em virtude das diversas comorbilidades que apresenta, na sua generalidade. Além disso, uma estrutura demográfica como a nossa, eleva significativamente os custos de manutenção do sistema de saúde, pois são os mais velhos que recorrem mais ao sistema nacional de saúde. Esta população detém também níveis de escolaridade muito baixos, apesar do país vir a desenvolver uma trajetória positiva a esta nível, nas últimas décadas. Resumindo, essencialmente, é entre a população mais idosa que encontramos níveis de escolaridade mais baixos. Exatamente a mesma fatia da população com mais comorbilidades. Estas características colocam desafios adicionais à gestão do sistema de saúde. Estes são grupos sociais, onde o trabalho de capacitação, sensibilização, mediação e comunicação (literacia) são mais essenciais. Se estes são os que mais recorrem ao sistema nacional de saúde são, em grande medida, os que têm menores conhecimentos sobre questões de saúde e que estão menos capacitados, para resolver os seus próprios problemas de saúde.

Por outro lado, sabemos que a saúde é um dos sectores com o mais rápido crescimento mundial, até ao ano de 2030. A saúde é considerado um ativo no qual podemos investir, para nos mantermos saudáveis e longe de riscos. Sempre que adoecemos existe uma crescente procura de apoio, no que concerne à saúde e aos apoios sociais. O desafio de informação e capacitação das populações é enorme, mas é uma tarefa à qual não podemos ficar alheios, em nome de um país mais saudável, capacitado, desenvolvido e com maiores ganhos em saúde. Atualmente, são poucos os que questionam que o retorno do investimento em informação, comunicação, capacitação e autonomia dos cidadãos, em questões de saúde é elevado. Como tal, a Literacia em Saúde é um agente de mudança de mentalidades, essencial para a desejável mudança no acesso e na compreensão pública das questões relacionadas com a saúde. A Literacia em Saúde também envolve uma componente de redução de despesas em saúde, pois uma sociedade mais capacitada é uma sociedade mais resiliente e, por essa via, com melhores e mais estáveis indicadores de saúde.

Na Sociedade Portuguesa de Literacia em Saúde, também trabalhamos para que Portugal tenha uma população com índices de literacia em saúde mais elevados, ou seja, uma população com uma relação mais adequada com os cuidados de saúde. Do mesmo modo, trabalhamos para que – por via da literacia em saúde – tenhamos uma população com uma superior capacidade de prevenir a doença, em si e na comunidade. Neste momento, estamos já a assistir a uma incapacidade dos sistemas de saúde, em dar uma resposta adequada e de qualidade à procura, com uma rutura generalizada, primeiro do Serviço Nacional de Saúde e depois, por arrastamento, de todo o sistema nacional de saúde. Estamos certos que com uma população com um grau mais elevado de Literacia em Saúde, mais informada e capacitada, a procura dos serviços de saúde diminuiria, aliviando parte da pressão sobre o sistema. A Literacia em Saúde condiciona decisivamente, o modo como os cidadãos são capazes de tomar decisões acertadas sobre a sua saúde.

O envolvimento dos cidadãos nas tomadas de decisão corretas e conscientes sobre a sua saúde, pressupõe a existência de informação científica atualizada e disponível, ajustada às características e conhecimentos de cada indivíduo. A proatividade dos cidadãos, na procura de informações fidedignas sobre saúde, não só lhe confere maior autonomia da gestão da sua saúde, como é essencial para a obtenção de maiores ganhos em saúde. Este é quase um imperativo de cidadania, pois capacita cada um de nós para um maior conhecimento e autoconhecimento. Para tal, é necessário desenvolver ações de formação e sensibilização junto das populações, ao longo de todo o ciclo de vida, consoante a fase da vida em que se encontram, em parceria com as autarquias, as ULS e outros agentes de saúde e da comunidade. É também necessário formar professores de todos os níveis de ensino em questões de Literacia em Saúde, de acordo com os ciclos de ensino em que lecionam, de modo a capacitá-los para a lecionação dos mesmos. Urge ainda criar conteúdos curriculares de literacia em saúde, ao longo de todo o percurso formativo, do 1º ciclo do ensino básico (de modo mais transversal) ao ensino superior (de modo mais objetivo). Além disso, as Universidades da Terceira Idade são também espaços de excelência, para a comunicação e capacitação de cidadãos com idades mais avançadas. Do mesmo modo, é essencial desenvolver com o setor social, de modo articulado e sistemático, ações de promoção da Literacia em Saúde, para chegar também aos cidadãos institucionalizados e frágeis.

Não existe qualquer dúvida que o investimento em Literacia em Saúde, ao longo de todo o ciclo de vida dos cidadãos, é uma das peças centrais que permitirá a sustentabilidade do sistema nacional de saúde, de uma melhor economia em saúde e, sobretudo, de uma maior qualidade de vida para a população portuguesa, pois aquele que sofre e está doente não está feliz.